sábado, 13 de agosto de 2011

Medo.

- Você tem medo de escuro?


- Sim. Um medo terrível.


- Medo da luz apagada?


- Medo da luz apagada do lado de dentro, sabe?


Eu tenho medo de esquecer quem sou. Medo de crescer demais. De deixar o tempo passar. De não saber lidar. De não conhecer o outro. De não deixá-lo me conhecer também. Eu tenho medo do escuro da alma. Do que a gente não diz. Da pressa de todos os dias. Tenho medo de me adequar demais ao mundo. De me acostumar com o que não devo. De confundir amor e posse. Tenho medo de acordar amanhã e já ser futuro. Medo de não ter paciência. De não ter calma nesse mundo onde a calma é essencial. Tenho medo do sentimento que a gente não vive. Do que a gente reprime e chora no quarto depois, debaixo das cobertas. Segurando os próprios joelhos. Sem ninguém pra nos dizer que tudo é curado no tempo que tem de ser. Eu tenho medo da minha distração. Medo de não enxergar o que é preciso. Medo de envergonhar a quem admiro. A quem respeito. A quem quero bem. Tenho medo de envergonhar a mim mesma. E de deixar de acreditar nos outros. Medo de não saber errar. Medo de errar demais. Da história sem moral. Da lição que a gente não tira. Do castigo sem pecado. Do pecado sem absolvição. Da culpa sem erro. Da paz que só vem de vez em quando e que vai embora depressa. Eu tenho medo da guerra. Das nossas lutas internas. De perder pra mim e de me esquecer como se faz pra voltar atrás. Pra pedir perdão. Tenho medo da oração que não faço quando acordo. Medo de ter que competir com Deus. Tenho medo de me sentir amada demais e de não saber viver depois do fim. Eu tenho tanto medo do fim. Medo da falta. Medo do dia seguinte. Medo do telefone mudo e da caneta sem tinta. Medo da palavra que não sai. E do silêncio das relações que a gente só leva, mesmo quando não dizem mais nada.


-Então você tem medo de escuro?


- Não. Eu tenho medo do que não vejo por causa dele.


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