quinta-feira, 23 de junho de 2011

Atravessar.


A quantidade de sorrisos que você distribui, os telefonemas em dia, as contas pagas, o banho na hora certa, as orações no fim de cada noite, os "muito obrigada", "não precisava se incomodar", "por favor" e "estou com saudades", os palavrões que você guardou, a raiva e o orgulho que te fizeram mal mas que "tudo bem, poderia ter sido pior", a rotina que te frustra mas que você aguenta sem espernear, sem gritar, sem pedir socorro, esperando que o fim compense porque no fim dá certo, porque as pessoas boas merecem ser felizes, porque não é fácil ser boazinha sempre, um amorzinho sempre, mas "o que é meu tá guardado" porque também mereço, também preciso de pequenas alegrias pra viver... Me desculpe outra decepção pra essa sua lista de decepções. Pra essa sua lista de dores que você esconde por medo de não ser forte. Minha cara, sabe qual é a realidade? Ninguém. Nem os pais de família, nem as mães zelosas, nem as moças honradas ou os rapazes direitos, ninguém escapa à essa coisa chamada vida. Essa coisa que dará à você uma porção de caminhos sem atalhos. E nunca, jamais te dirá se foi o melhor remédio. Se era por aí. Que nunca te deixará farelos pra encontrar a estrada mais fácil até a casa da vovó. A estrada sem bruxas. Sem monstros. Sem cheiro de chocolate quente e bolo saindo do forno. Não, não é fácil ser bom o tempo inteiro. Mas sabe o que é realmente difícil? Ter desejos. Querer o que ninguém mais quer. Ou pior, querer o que mais ninguém pode ter, só você. Porque vai ser lindo se você passar por tudo isso sem arranhões. Se você conseguir poupar os outros. Se você conseguir se poupar sem endurecer nem um pouquinho que seja, sem perder a sua fé nas outras pessoas, sem achar que todo mundo é um pouco cruel. Porque você também é. E a gente se amedronta quando percebe que é igual à grande maioria. E que ninguém dá a mínima pra isso. Ninguém liga se você tenta ser diferente também. Se você tenta acertar mais. Sorrir mais. Amar mais. Vai ter sempre alguém pra te dizer que não é assim que se vive. Que você tá errado. Ou bobo. Ou que o egoísmo está te consumindo. Porque só quem se sujeita é que é bem visto. E que é preciso se adaptar sempre e outra vez à vontade de todo o mundo. Ninguém vai te contar que é exatamente assim é que é a vida. É você aprendendo, todo dia, que sangrar mais ou sangrar menos, errar mais ou errar menos, não te torna fraco. E que a gente só nasceu foi pra descobrir mesmo. Descobrir o quanto dói e o quanto é difícil não se contentar com o morno. O quanto é difícil querer somente o que pulsa e o que, inevitavelmente, vai te torturar muito até ser seu. Hoje eu entendo Cazuza cantando "só se vive por um triz" naquela poesia livre e louca. Porque viver é louco mesmo. E rasga. Mas se depois dessa "travessia barra" ainda houver coração suficiente pra você entregar a quem tiver um peito quentinho pra guardá-lo, o resto é texto.

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